Ontem li um texto publicado na Folha de São Paulo (link ao final desta publicação) e ele me proporcionou várias reflexões. O título do referido texto é: “Personalidade de funcionário supera técnica no trabalho”.

É importante registrar que o tema discutido é de meu interesse, sendo que na pesquisa que conduzi no mestrado, este foi um dos aspectos surgidos e debatidos. Quando da aplicação de um questionário junto aos docentes que participaram do meu estudo, alguns chegaram a expor que hoje as empresas valorizam mais o comportamento do que o conhecimento em si, o que está alinhado ao que traz a Folha. Logo, há verdade naquilo que o texto apresenta. Entretanto, o que precisamos esclarecer é que a divulgação crescente de que o comportamento e a personalidade são mais importantes e decisivos no momento de conseguir um emprego, não é casual. Este discurso, que vem se fortalecendo e se tornando hegemônico, está alinhado aos preceitos da “aprendizagem flexível” que abordo no meu estudo. Assim, percebemos que cada vez mais vem sendo incutida nos trabalhadores a definição do perfil que devem ter, qual seja: disciplinado, flexível, comprometido, entre tantos outros atributos (ou competências) que servem para designar o “trabalhador perfeito” e tão requisitado hoje (empregável).

E o pior disso tudo é que o texto da Folha aponta (com base em estudos da FGV) que os investimentos em educação são desperdícios, uma vez que, como exposto no texto “se fossem mais bem aplicados, talvez elevassem a baixa eficiência da economia”. Acho esta afirmação muito preocupante, pois além de “insinuar” (vou usar esta palavra para não ser taxativa) que não devemos investir em educação, vincula a educação à economia. E o grande equívoco presente nesta afirmação é que a educação (no sentido formal) não tem que estar vinculada aos interesses econômicos. Ela tem que cumprir função formadora, emancipatória, crítica, tendo compromisso com a cultura e o saber em sua forma mais elevada. Quando atrelamos a educação única e exclusivamente ao trabalho, estamos lhe reduzindo a mera formação de mão de obra, o que aliena e limita o desenvolvimento e formação do ser humano.

Outro ponto incômodo exposto no texto é o seguinte: As empresas têm revelado que dentre as competências que dificultam as contratações está a formação acadêmica. Assim, o texto denota que hoje a formação acadêmica pode atrapalhar mais do que ajudar no momento de conseguir um emprego. Com isso, podemos inferir que não há porque estudar formalmente. Creio que o texto, implicitamente, queira mostrar que uma formação técnica hoje é mais valorizada, desfazendo a formação superior, uma vez que ela não vem contribuindo (podendo até atrapalhar), no momento da contratação. Ao afirmar que a personalidade sobrepõe a técnica, o texto acaba por desqualificar a educação (pois a técnica se aprende no ensino – técnico ou superior) e, além disso, joga para o plano individual (uma vez que a personalidade é algo pessoal) a responsabilidade pela contratação ou não contratação, sucesso ou insucesso profissional.

Bom… Não vou esmiuçar o texto. Sugiro que o leiam na íntegra. Cada um poderá tirar suas conclusões e fazer suas reflexões. Mas, peço para que o leiam de forma crítica e pensando nos sentidos ocultos existentes nas afirmações contrárias à educação formal.

Acrescento apenas uma questão para debate, convocando especialmente os/as colegas da psicologia: será que estamos contribuindo com a naturalização de que a personalidade é preponderante à técnica e ao conhecimento na hora de selecionar profissionais?

Estejamos atentos(as).

Link para o texto original